Elizângela Baré traz reflexões sobre a importância dos saberes indígenas

Pesquisadora indígena e finalista do Troféu Mulher Imprensa pelo podcast na Rádio SUMAÚMA visitou o Colégio Oswald, em uma troca singular com estudantes do 7º ano.

“O Brasil não foi descoberto, porque nós, povos originários, já estávamos aqui. Mas os livros nos ensinaram isso, eu fui ensinada assim desse jeito. […] Muitas vezes a gente passa na escola formal ensinando a gente a dizer que o Brasil foi descoberto. O Brasil não foi descoberto. [Com] isso que eu quero iniciar a minha fala: o Brasil foi invadido. E dizer isso para vocês, que estão aqui nessa série [7 º ano], que vocês são as sementes que poderão replicar isso para a futura geração que virá.”
– Elizângela Baré

No dia 16 de outubro, o Colégio Oswald de Andrade recebeu a pesquisadora e professora Elizângela Baré, do povo originário Baré, que se habita na região de fronteira entre Brasil, Colômbia e Venezuela. Finalista do Troféu Mulher Imprensa pelo podcast na Rádio SUMAÚMA, é a primeira mulher indígena a fazer mestrado em Saúde Pública na Universidade de São Paulo (USP), com bolsa da Fapesp, e possui como intuito provar que a ciência milenar dos povos originários pode ser usada no SUS.

O evento foi uma oportunidade singular para que os alunos e alunas do 7º ano pudessem se informar sobre a diversidade das culturas indígenas e seus hábitos, assim como sobre a relação que esses povos possuem com o meio ambiente e seu território. Além disso, a convidada ressaltou a importância de saberes ancestrais para o enfrentamento da pandemia de Covid-19.

Os jovens do 7º ano se mostraram interessados com os conhecimentos compartilhados por Elizângela Baré, resultando em questionamentos e reflexões instigantes sobre as culturas e cosmovisões indígenas. Confira algumas das perguntas formuladas pelos alunos e alunas do Oswald:

Como é o modo de vida dos indígenas da sua terra?
Como povos originários, ali na minha região, a gente come peixe, a gente tem um sistema que se chama “Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro”, que vocês aqui chamam de mandioca – que é a macaxeira, como a gente chama. E nós temos uma mandioca brava, [com] a mandioca brava a gente produz: farinha, beijú, tapioca, tucupi… Dentro dessa roça, a gente planta abacaxi, banana e vários tipos de batata para a gente poder se alimentar. Então, na roça a gente já planta isso. No rio, nossos pais ou nossos irmãos pegam peixes. Na floresta são as caças. Então, esse são os nossos hábitos alimentares. […] 

Como a pandemia afetou as terras indígenas em que seu povo vive?
Então, vou falar da pandemia. Eu fui uma das mulheres que criou uma campanha que se chama “Rio Negro, nós cuidamos!”. Tem no YouTube como nós fizemos o resguardo do nosso território. Por esse motivo que eu estou na USP, nessa universidade gigante, pra falar para a sociedade brasileira, e pra esse mundo globalizado em que nós vivemos, que nós, povos originários, fizemos nossos resguardos com nossas plantas medicinais. A gente não foi afetado do mesmo jeito que os países do primeiro mundo, os países que estavam desenvolvidos, porque nós fizemos resguardo com as sementes, com as folhas, com as raízes… Então, a gente conseguiu se proteger, aonde nenhuma farmácia, nenhum médico, nenhum cientista tinha remédio pra Covid-19, [não] tinha medicação.E nós fizemos nosso resguardo através do nosso saber, da nossa floresta, das nossas folhas, das nossas sementes, das nossas resinas (que são as resinas de abelha). Então, a gente não foi afetado na parte de resguardo. Nós fomos afetados nas escolas, porque a merenda da escola, a merenda industrializada, não conseguia chegar pra dentro do território. Porque nós criamos barreiras sanitárias, pra gente não deixar coisas contaminadas chegarem dentro do nosso território.

A área da educação, a área da saúde, do “mundo branco” – que a gente chama –, foi afetada. Mas do lado nosso, como tradicional, a gente não foi afetado, porque a gente continuava dentro de casa, continuava tendo remédio, continuava tendo defumação.


Playlist da série de vídeos “Rio Negro, Nós Cuidamos!”

O que seria o resguardo?
É como seria se o médico falasse: “Agora você vai tomar o remédio oito da manhã, meio-dia e seis da tarde.” Então, o resguardo que nós fizemos foi isso, fizemos banho de manhã, banho meio-dia e banho de noite. E chá nós tomávamos pelo período da manhã, sem comer nenhum alimento, para fazermos uma proteção.

A gente queria saber quais aspectos da cultura indígena você acha importante passar pra todo mundo?
A cultura indígena… Olha que eu não vi as perguntas de vocês… Acho que saber as nossas pinturas e dizer que nós, povos originários, somos diversos. […] A professora falou que outra indígena conversou com vocês [no ano passado]. Então, acho que é vocês saberem que as culturas elas não são únicas; elas são diversas, as línguas também são diversas. Eu brinco que eu consigo dominar você porque eu falo português. Mas, se eu pedir pra vocês falarem a minha língua e escreverem na minha língua, vocês não vão conseguir me dominar. Porque eu tenho o meu jeito próprio de falar, eu tenho o meu jeito próprio de escrever. Então, dizer que a língua portuguesa, a língua inglesa, a língua francesa não são as únicas línguas que se deve saber que existe na escola. As línguas indígenas são diversas e elas existem até agora. As nossas crianças indígenas, elas dominam vocês, mesmo lá na fronteira, porque elas falam português, e falam e escrevem a língua indígena. Acho que, pra mim, na escola, isso é muito essencial de dizer: nós, povos originários, somos diversos. E na região sudeste, pra cá, eles tem outro jeito de falar e ensinar a língua indígena.

Queria perguntar, na sua opinião, quais hábitos indígenas estão mais presentes em nossa cultura (de pessoas não-indígenas)?
Território. O Território está presente em todo o lugar que vocês pisam, Se vocês estão pisando em terra, nós, indígenas, também estamos pisando terra. O sol. A chuva. São coisas que nos unem, apesar de que eu sou diferente, eu sou da outra etnia. Eu vivo em outro território, eu vivo em outro estado, mas somos iguais perante a existência do ar que nós respiramos. […] Nós respiramos o mesmo oxigênio que vocês. Nós somos seres humanos. Eu tenho cinco dedos, não é que eu sou igual a vocês? Então, pra mim, são coisas que relacionam a gente. Só que em territórios diferentes. Mas, por fim, a humanidade nos une através da chuva, através do sol, através do oxigênio, através da respiração.

Nós queríamos saber o que você acha dos estereótipos atribuídos aos indígenas no Brasil?
Eu sempre falo, como mulher indígena, que nós estamos aqui para reflorestar mentes. Nós estamos aqui para compartilhar com vocês o nosso conhecimento. Então, não [para] dizer a vocês que coisas escritas sobre nós [povos originários] estão erradas, mas [para] poder reflorestar vocês, que são o futuro e que reflorestarão outras pessoas. Que poderão dizer: “No dia 16 de outubro, nós tivemos uma aula com uma mulher indígena. Que falou que a gente é diverso, mas que através da terra nós temos uma ligação única.” Então, apesar de várias disciplinas [escolares] e a sociedade colonizadora colocarem que nós somos diferentes – que indígena tem seu próprio hábito alimentar, que vive na floresta, que vive não sei aonde –, que essas coisas possam ser desconstruídas por vocês. E vocês estão me ouvindo. Vocês vão desconstruir isso. Vocês vão dizer: “Aquela mulher indígena que veio aqui falava português e mostrou pra nós que também as crianças [indígenas] falam o português, sabem escrever o português, mas falam e escrevem a língua delas.” Então, eu não vou falar que as pessoas que falam da gente ou que escreveram da gente estão erradas, mas eu tô aqui para desconstruir isso e dizer que vocês serão as pessoas que poderão me defender no futuro.

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