Para além dos muros da escola
Estudos geológicos e antropogênicos da e na cidade com estudantes do Ensino Médio.
– Por Bruno Picchi e Tarso Loureiro
No ano de 2022, no Ensino Médio do Colégio Oswald de Andrade, inauguramos as Unidades Curriculares da Trilha Oswald (UCTOs). Compostas por cursos de diferentes áreas do conhecimento, as UCTOs integram a grade curricular obrigatória do Ensino Médio e estão relacionadas com as mudanças estruturais decorrentes da reforma educacional deste ciclo da educação básica formal. O objetivo das UCTOs é oferecer aos estudantes propostas pedagógicas marcadas por atividades práticas, saídas pedagógicas, Estudos do Meio, aulas em laboratórios e sequências didáticas com caráter empírico destacado, tendo como estratégia básica a aprendizagem baseada em projetos que mobilizam conteúdos teóricos oriundos da Formação Geral Básica (FGB).
Cada série tem duas UCTOs que dialogam diretamente com os Projetos de Série e suas perguntas norteadoras. A UCTO “Fundamentando Decisões”, composta pelos cursos de Biologia e Geografia, é uma das Unidades Curriculares da Trilha Oswald da 1ª série do Ensino Médio. A combinação entre os dois componentes acontece em razão da proximidade de seus objetos do conhecimento nesta etapa da escolaridade, uma vez que ambas abordam questões ligadas ao estudo da ecologia, observação e análise de paisagens, do sistema terrestre, e mais especialmente dos impactos da intervenção humana no ambiente. A Agenda 2030 é um documento norteador das atividades que articulam conteúdos e expectativas de aprendizagem com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Conforme apontado, nas UCTOs, é marcante o caráter empírico dos projetos desenvolvidos. E, para exemplificar isso, apresentamos aqui o seguinte relato de experiência, composto por duas saídas de campo, realizadas em 2023 (e que serão feitas novamente em 2024), que funcionam também como preparação teórica e procedimental para atividades de pesquisa realizadas durante o Estudo do Meio da série.
O foco maior deste relato será a no trabalho realizado em torno da segunda saída pedagógica, cujo título é “Paisagens Urbanas: Formações do Cenozóico e a Ocupação Humana do Antropoceno” e foi executada em parceria com o Prof. Dr. Mauricio Guerreiro Martinho dos Santos, docente da Universidade Federal do ABC (UFABC), que assessora a parte técnica dos fundamentos em geologia.
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A sequência didática que aborda os estudos geológicos e antropogênicos da e na cidade de São Paulo começou com aulas expositivas e dialogadas sobre a formação geológica do território em que estamos situados e teve uma primeira etapa culminada na saída a campo para o Museu de Geociências da USP. Lá, o grupo de estudantes foi recebido pela equipe de monitores do Educativo do Museu e sedimentaram seus conhecimentos sobre: as divisões do tempo geológico; as estruturas que compõem a divisão química e física da parte interna do planeta; a identificação dos tipos de rocha (com descritivos de suas propriedades) e das principais estruturas geológicas do Brasil; além do reconhecimento e compreensão da aplicabilidade dos recursos geológicos no cotidiano das civilizações humanas.
Após esta primeira etapa e suas respectivas atividades pós-campo, realizadas em sala de aula, foi proporcionada aos estudantes a experiência de uma navegação em formato de caminhada pela zona oeste de São Paulo. Ao longo de nossa incursão, o grupo de jovens pesquisadoras e pesquisadores fez uso do estudo de representações cartográficas – especificamente o mapa geológico – para reconhecimento de suas formações e da carta topográfica para verificação da geomorfologia – ou seja, o relevo do sítio urbano paulistano.
Durante o trajeto, que teve início na Praça Rafael Sapienza e terminou e na Praça Boaçava (clique aqui para visualizar o percurso completo com os pontos de parada), alguns pontos foram selecionados (Praça Homero Silva e Praça François Belanger), nos quais os alunos e alunas foram desafiados a encontrar afloramentos de formações geológicas no denominado “espigão central”, que é a região que compreende a parte mais elevada do centro expandido da cidade de São Paulo. Durante estas atividades, os/as estudantes foram orientados pelos professores Maurício e Renato Henrique-Pinto, da Universidade de São Paulo (IGc – USP). O objetivo foi estabelecer uma relação entre a formação do relevo da cidade de São Paulo, o processo de ocupação e a situação atual da malha urbana, uma vez que os tipos de rocha e sedimentos destas localidades são determinantes para compreendermos o terreno acidentado dos bairros do Sumarezinho e Vila Madalena.
Além das explicações dos professores e da orientação sobre como identificar afloramentos rochosos, cada jovem pesquisador utilizou um caderno com sentenças e espaços específicos para anotações, como “observar a paisagem e refletir sobre o processo de uso e ocupação do espaço a partir do processo de verticalização”. Também, foram convidados a inferir cientificamente sobre as hipóteses que eventualmente explicassem as cotas altimétricas da região.
Após a atividade de campo, os alunos e alunas escreveram um relatório em grupo na forma de texto descritivo, com a obrigatoriedade de um título que norteasse a escrita, bem como indicasse – de maneira clara e direta – o recorte temático realizado na pesquisa. Dos produtos finais, os títulos foram: “Tipos de rochas e formações geológicas”, “Conceitos de Cenozoico e Antropoceno”, “Processo de ocupação da cidade”, “Relação entre espaço público e privado”, “Formação da paisagem urbana”, “Hidrografia ‘invisível’ da cidade”, “Especulação imobiliária” e “Conhecimento científico”.
Os títulos dos relatórios explicitam o desejável transbordamento dos conhecimentos endógenos de apenas uma área do conhecimento, desnudando o caráter multidisciplinar da sequência didática. Tanto na confecção dos relatórios quanto após sua conclusão, foi possível verificar que os estudos específicos e aprofundados em geologia voltados para o entendimento dos acontecimentos relacionados à Era Cenozoica foram de grande importância para que alunos e alunas pudessem articular e aplicar fundamentos acerca do conceito de Antropoceno – a visão antropogênica aplicada a uma nova época geológica. Com isso, foi notável e gratificante perceber como uma abordagem holística entre os componentes curriculares da UCTO “Fundamentando Decisões” emergiu na práxis de pesquisa e sistematização de conhecimentos dos próprios estudantes.
Para completar e coroar o ciclo de estudos e pesquisas de campo, foi realizado o Estudo do Meio para Extrema (MG) e Bragança Paulista (SP), quando a turma da 1ª série do Ensino Médio teve a oportunidade de conhecer o premiado Projeto Conservador das Águas, assim como exemplos de planos de reflorestamento e compensação ambiental na Fazenda Serrinha. Inclusive, durante a saída aqui relatada, os estudantes realizaram, na Praça Boaçava, uma primeira experiência de coleta de dados em que se mobilizaram também conhecimentos e procedimentos trabalhados no curso de Matemática, o que serviu de treinamento para uma atividade similar executada no Estudo do Meio – em que fizeram uso de uma metodologia com transectos com objetivo de estimar a quantidade de carbono armazenado em vegetais de uma determinada área.
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Bruno Picchi – é geógrafo, pedagogo e mestre em Geografia pela Universidade Estadual Paulista (UNESP); especialista em Gerenciamento Ambiental e doutor em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo (USP). Professor do colégio Oswald de Andrade desde 2016.
Tarso Loureiro – é cientista social, pós-graduado com especialização Latu Sensu em Epistemologia e Educação pelo Centro de Extensão Universitária (CEU) e mestre em Didática pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP). Professor e coordenador de Projetos de Integração Curricular do Colégio Oswald de Andrade desde 2010.