Conversa com Brenda Pataxó

Em novembro, os estudantes do Colégio Oswald puderam conhecer e aprender mais sobre as diferentes realidades dos povos indígenas e sua pluralidade cultural.

Na foto, estudantes no Teatro Oswald, conversando com a professora indígena Brenda Pataxó, por meio de videochamada exibida em um telão. Fim da descrição.

Na foto, estudantes no Teatro Oswald, conversando com a professora indígena Brenda Pataxó, por meio de videochamada exibida em um telão. (Fotografia por: Jéssica Amaral).

Em novembro, para as disciplinas de história e geografia, os estudantes da Unidade Cerro Corá receberam a professora indígena Brenda Pataxó para uma conversa. O evento foi uma oportunidade singular para que os estudantes pudessem se informar sobre a diversidade das culturas indígenas e seus hábitos, assim como sobre a relação que esses povos possuem com o meio ambiente e seu território.

Na conversa, Brenda enfatizou a importância de conhecer e celebrar a pluralidade das culturas originárias, sejam aquelas urbanizadas ou as mais isoladas, com todos os seus ritos, danças e línguas, uma vez que o nosso país conta com mais de 300 etnias e 275 línguas indígenas.

Além disso, na conversa, a professora desmistificou muitas crenças do senso comum acerca da realidade e de estereótipos de que povos indígenas são, necessariamente, sem contato com as tecnologias e avanços científicos ou que não se afinizam com elas. Ao mesmo tempo, trouxe a relevância das novas mídias para a divulgação de saberes e causas indígenas, principalmente para os mais jovens, como a luta da demarcação de terras indígenas ou o maior alcance de suas narrativas.

Confira algumas perguntas feitas pelos estudantes durante o encontro!

Como é o modo de vida dos indígenas que vivem na sua terra?
Primeiramente, a aldeia “Coroa Vermelha” é uma das aldeias urbanizadas. Então, a gente tem supermercado, farmácia, academia. A gente vive em contato direto com os não-indígenas. É claro que é uma aldeia turística, é região turística, vêm muitos não-indígenas pra cá. Vêm muitos turistas do mundo inteiro. Então, a gente tem muito contato direto. E o nosso estilo de vida é praticamente igual ao de um não-indígena. A única diferença é que a gente tenta fortalecer nossa cultura nos nossos rituais, na nossa língua… O nosso modo de vida aqui é praticamente igual. A gente tem os nossos rituais na escola, a gente tem uma escola indígena aqui, que tem um ensino diferenciado, a gente tem a língua patxohã aqui como componente curricular. Mas a gente vive uma vida praticamente igual a de vocês [não-indígenas].

Gostaria de saber se a terra indígena onde você vive já foi ameaçada ou desrespeitada.
Com certeza. Na verdade, a gente vive em constante ameaça. Eu falo que, quando a gente nasce indígena, a gente já nasce com a pegada ali da luta e da resistência. Porque aqui é uma terra demarcada (a aldeia “Coroa Vermelha”), mas nós temos várias extensões, que a gente chama de retomadas, que a gente retoma as nossas terras, que são nossas por direito. E essas terras que são nossas por direito, não são demarcadas. Então, a gente vive em constante luta para demarcar essas terras. E as pessoas que tomaram essas terras, entram na justiça para tomar essas terras de volta, só que eles não querem essas terras de volta de uma maneira amigável. Infelizmente, a gente tem muitas ameaças, muitas ameaças das pessoas quererem invadir. A um tempo atrás a gente teve uma época muito difícil, acho que no ano passado, da gente ser ameaçado de ter que sair, de expulsarem a gente do lugar onde a gente mora. E muitas famílias estavam ameaçadas de não ter mais casa, de não ter mais onde morar. E é isso… A gente vive em constante ameaça e sempre teve, sempre vai ter, infelizmente…

Quais aspectos da cultura indígena você considera importante de serem ensinados para todo mundo?
Primeiro, eu acho essa pergunta super interessante, porque para nós, povos indígenas, o Brasil é uma terra indígena. Só que tem muita gente que não para pra ouvir, não para pra conhecer os povos indígenas, como vocês estão fazendo. Inclusive, eu gostaria de parabenizar por conta disso, de ouvir mesmo. Muita gente acaba escrevendo coisas, inventando sobre a realidade indígena, e nada melhor que ouvir o próprio indígena sobre a realidade dele. Então, eu acredito muito, como indígena, que o que deveria ser ensinado é a diversidade cultural dentro da cultura indígena. Nós não temos um povo só. Muita gente acaba generalizando, como se tivesse só uma língua, um só costume e o nosso povo é diverso! Diverso em costumes, em línguas, em danças… Por mais que o povo generalize “ah, mas o indígena anda pelado” ou “o indígena só vive da caça e da pesca”, e por mais que tenham indígenas que vivem nessa realidade de caçar e de pescar, a cultura é dinâmica. A gente tá em pleno século XXI, em que houveram muitas mudanças tecnológicas que a gente vai tentando se aprimorar, tentando avançar nessa evolução, mas sem deixar a nossa essência. Eu acredito muito que o que as pessoas deveriam aprender, principalmente ouvindo os povos indígenas, é sobre essa questão da diversidade cultural dentro da cultura indígena, que não existe só um povo. Nós temos mais de 300 povos e mais de 275 línguas indígenas no Brasil. Então, nós temos muitos costumes diferentes. Eu – que sou pataxó – muitas vezes não conheço o costume de um povo que mora em outra região, por exemplo. São mais de 300 povos. Eu não conheço todos, não conheço a realidade dos povos, por mais que a gente tenha contato quando tem algum evento com outros indígenas. Então, a luta é a mesma, a causa é a mesma, mas os costumes são diferentes, as línguas são diferentes. Assim como cada região do nosso Brasil, como vocês podem perceber, a realidade de São Paulo é completamente diferente de Santa Cruz Cabrália (BA). Existem povos espalhados por cada localidade do país e cada povo tem seu costume, tem sua dança, sua língua, tem suas narrativas e, principalmente, suas histórias.

Leia mais: Elizângela Baré traz reflexões sobre a importância dos saberes indígenas

O que você acha mais diferente ou incomum que os não-indígenas fazem?
Como eu falei, na nossa aldeia a gente vive em total contato com os não-indígenas. Eu nasci aqui na aldeia, não tenho tantos outros contatos fora de “Coroa Vermelha”. Eu sei da realidade daqui. Então, o que eu pude observar, na minha visão enquanto indígena, eu falo principalmente da realidade escolar, por ser professora. Eu tenho colegas não-indígenas, que trabalham em escolas que não são indígenas, então, a gente sempre troca as nossas angústias como professores e eu sempre ouço a questão: por que, nas comunidades indígenas, todas as questões sempre são tomadas a partir de um coletivo? Em tudo a gente tem o nosso coletivo para tomar qualquer decisão, seja na escola, seja na comunidade, a gente tem uma comissão de caciques, e a gente chama os pais, os alunos, a comunidade toda para decidir sobre algo relacionado a nossa aldeia. E eu percebo que isso não é uma característica forte do não-indígena, de chamar todos, de ter esse coletivo, de ser comunitário na questão de decisões mesmo. Então, não sei… Não é que seja incomum, mas eu não vejo tanto [o senso de comunidade], principalmente na realidade escolar, porque toda decisão precisa chamar todo mundo: a comunidade, os caciques, professores… Nenhuma decisão é tomada fora desse coletivo.

Como vocês estão lidando com tecnologias como a internet?
Assim como eu falei, a cultura é dinâmica e, a partir do momento que a gente vai tendo avanços tecnológicos, a gente vai aderindo, mas não perdendo a nossa essência. A gente vai tentando se adaptar com essas mudanças. E a tecnologia é uma ferramenta pra gente lutar pela nossa causa – principalmente os jovens, porque os mais velhos não têm tanto contato com a tecnologia, mas os jovens, sim. Então, se tornou um meio pra gente lutar. Para mostrar os nossos costumes, mostrar a nossa luta para as pessoas, para o mundo. E as nossas narrativas, que precisam ser mostradas para as pessoas. Se não fosse a tecnologia, a gente não estaria aqui também, conversando com vocês de forma EAD. Então, a tecnologia nos favorece nessas questões. Existem, assim como qualquer outra realidade, existem dificuldades em relação ao uso da tecnologia, em relação aos jovens que vivem mais no mundo tecnológico do que no mundo físico. Aqui, também existe isso. Não é uma realidade diferente. Mas a gente sempre tenta usar a internet como uma ferramenta para lutar pelas nossas causas.

O que você pensa dos estereótipos atribuídos aos indígenas do Brasil?
Eu vou falar uma frase que eu ouvi de uma parente minha: a nossa identidade vai além das características físicas. Principalmente no processo de colonização, houve esse contato com os não-indígenas e aqui nessa região de “Coroa Vermelha”, Santa Cruz Cabrália, Porto Seguro, foi uma das regiões que os indígenas tiveram os primeiros contatos com os não-indígenas, com os colonizadores. E devido a esses contatos, toda essa mistura de povos. A gente tem uma diversidade de características. Porque, como vocês sabem, a gente tem uma diversidade cultural muito rica aqui no Brasil. Então, houve essa mistura de povos, de indígenas com não-indígenas, principalmente na época que o Brasil foi colonizado, que nós fomos colonizados. Houve muitas violações sexuais, principalmente com as mulheres indígenas, então, muitas indígenas engravidaram forçadamente, o que fez com que houvesse essa mistura mesmo. Então, as características [físicas] não dizem nada em relação a nossa identidade, hoje, esse estereótipo que as pessoas impõem, que o europeu impôs sobre as nossas características, que o indígena precisa ter o cabelo liso, a pele morena, o olho “esticado”, já não condiz com a nossa realidade. Pode ter indígena de olho azul, por conta dessa mistura e muita gente acaba confundindo. Quando eu saio para outros lugares, muita gente pergunta “Você é descendente de indígena?” e eu falo “Não. Eu sou indígena”. Porque ou você é ou não é indígena. Então, esses estereótipos ainda existem, apesar de todas essas misturas, apesar de todo o conhecimento que a gente tem, que as pessoas podem procurar pra saber. Infelizmente isso ainda existe [o estereótipo].

Leia mais: Conversa com Jamil Chade sobre fluxos migratórios, refugiados e democracia. 

5 2 votes
Article Rating