No início do semestre, as educadoras da Unidade Madalena, que atende crianças de 01 a 04 anos, se reuniram com as famílias de cada grupo para conversar sobre as escolhas e os usos dos brinquedos em casa e na escola. Segundo o Instituto Alana, os dois temas estão relacionados, pois:
O excesso de consumo de brinquedos é resultado de um ciclo complexo que começa ainda na publicidade infantil (mídias digitais), despertando o desejo de possuir determinado brinquedo, mas sem a devida percepção sobre um consumo consciente.
(Instituto Alana)
No encontro, foram feitas diversas reflexões sobre os brinquedos trazidos de casa para a escola, entre elas, o seguinte trecho do documento de Orientação às famílias:
Entendemos que, muitas vezes, os brinquedos e objetos que a criança traz para a escola facilitam sua entrada e convívio no ambiente escolar. Por esse motivo, não estabelecemos um único dia para trazerem brinquedos para a escola. Sabendo que o espaço escolar é coletivo, solicitamos ainda que os brinquedos, que eventualmente sejam trazidos, estejam identificados com o nome completo da criança e higienizados antes e depois de virem para a escola. Pedimos, ainda, que não enviem objetos muito pequenos, que podem se perder facilmente, bem como objetos de alto valor. Não é permitido o envio de dispositivos eletrônicos (GAMES, TABLETS, SMARTPHONES etc).
Desta forma, o brinquedo pode facilitar a entrada e o convívio das crianças na escola. Mas, como isso acontece?
Uma das possibilidades é ele funcionar como um objeto transicional (termo da psicanálise winnicottiana), que se trata de um artefato material – como um cobertor, bichinho de pelúcia, brinquedo, etc – utilizado pela criança para lidar com a ausência da mãe, do pai ou do cuidador principal, e que lhe traz conforto e segurança.
O uso do objeto transicional é temporário, marcando a transição entre a dependência absoluta e a independência relativa da criança. Normalmente, ele é utilizado até que ela desenvolva a capacidade de lidar com suas emoções e a ausência da figura de referência de forma mais independente. Não é necessário forçá-la a abandoná-lo, pois ele faz parte de seu processo de desenvolvimento emocional. Sendo a escolha do objeto feita, geralmente, pela própria criança, já que é importante que tenha significado para ela, embora, eventualmente, a família possa sugerir algum objeto ou brinquedo, considerando que possa funcionar como apoio nos momentos de despedida e permanência na escola. Vale ressaltar que nem toda criança sente necessidade de ter ou usar um objeto transicional – e não existe nada de errado nisso.
Além de facilitar a despedida no momento da entrada e a permanência tranquila na escola, é possível que, em alguns momentos, o brinquedo sirva como apoio às interações com os colegas, especialmente como recurso para aproximações. Em muitas situações, observamos que ele favorece a brincadeira e é partilhado com generosidade, contribuindo para a formação do vínculo entre as crianças. Em outros momentos, no entanto, o brinquedo se torna um fator de isolamento, um objeto de competição ou ostentação.
Considerando essas funções e situações, é preciso observar, refletir e analisar a necessidade de levar ou não um brinquedo à escola. O simples desejo da criança ou o receio de frustrá-lo não são razões suficientes. Por isso, é recomendado evitar o uso de bens materiais como mercadoria de negociação, punição e/ou recompensa. Embora esta seja uma estratégia comum e que pareça surtir efeitos imediatos, a longo prazo, produz na criança uma associação entre a posse de objetos e o valor pessoal. Então, quando há um pedido, uma manifestação dessa vontade de levar brinquedos – em especial, se isso ocorre com frequência –, existe uma oportunidade para conversar e pensar com a criança sobre essas motivações, desejos e necessidades; e por vezes, encorajar a criança a não levar nenhum brinquedo ou objeto, demonstrando confiança em sua capacidade. O professor pode contribuir com essa análise, compartilhando suas observações com as famílias, uma vez que parte da relação da criança com esses brinquedos trazidos de casa se dará no período escolar.
Além da decisão de levar ou não um objeto transicional para a escola, é preciso pensar em quais são os brinquedos colocados à disposição, observando se favorecem as ações das crianças: sua criatividade, imaginação, simbolização e interações com os pares. É importante também que os brinquedos não reforcem estereótipos preconceituosos, sejam adequados à faixa etária e que, preferencialmente, tenham fabricações sustentáveis, seguras e de qualidade (material, visual, sonora etc.). Neste sentido, famílias e escolas devem, conjuntamente, permanecer atentas a estas características no processo de escolha de brinquedos.
Ainda, é preciso considerar a quantidade de brinquedos disponibilizados às crianças, pensando que muitas vezes ela extrapola o necessário, reproduzindo e ensinando comportamentos consumistas, visto que o excesso de brinquedos e o material com que são produzidos têm afetam à sustentabilidade do planeta. É fundamental ressaltar que o impacto ambiental gerado pelo excesso de consumo de brinquedos e suas embalagens plásticas está relacionado com a publicidade infantil, veiculada e estimulada, em grande parte, nas telas. Antes de comprar ou atender aos pedidos das crianças, podemos refletir e considerar o que está guiando esses pedidos e nossas decisões.
Assim, a relação entre brinquedo e sustentabilidade é um desafio para todos (famílias e escola), pois a variedade, presença nas lojas, durabilidade e custo são alguns dos aspectos que se colocam na sua seleção intencional e, infelizmente, muitas vezes direcionam a compra para os brinquedos de plástico.
Por entender a complexidade destas questões, no Oswald, promovemos um espaço de diálogo e reflexão para que cada família possa, com o apoio pedagógico, tomar decisões conscientes, que refletirão seus valores e desejos singulares.
Para finalizar as reflexões, uma citação de Flávio Di Giorgi sobre o livro “Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação”, de Walter Benjamin, que enfatiza a importância do diálogo e da brincadeira compartilhada com as crianças:
… um dos sonhos de Benjamim: que os pais dialoguem realmente com os filhos, sendo o diálogo um encontro não somente expresso em palavras, mas entendimento, cumplicidade, participação no último produto do sistema de produção em que as gerações não estão dissociadas: o brinquedo. E assim, juntos, brincando, descubram novos segredos, pois ‘onde as crianças brincam, existe um segredo enterrado.
— Flávio Di Giorgi