Tempo de passagem ou passagem do tempo?
*Por Sheila Barreto, Coordenadora Pedagógica do 4º e 5º ano do Ensino Fundamental.
“À duração de minha existência dou uma significação oculta que me ultrapassa.
Sou um ser concomitante: reúno em mim o tempo passado, o presente e o futuro,
o tempo que lateja no tique-taque dos relógios.”
Clarice Lispector
É sabido e sentido por todos nós que a perspectiva de tempo muda ao longo de nossas vidas. Os choros dos bebês indicam a urgência de quem ignora qualquer marco temporal. Conforme as crianças crescem, o tempo ganha contornos de sonhos, das projeções que se anunciam e das memórias que internalizam experiências. Com o passar dos anos, o tempo passa a ser objeto contábil, cronometrado em suas miudezas que embaçam a visão do horizonte. São muitas passagens, atravessadas por tempos diferentes.
Na trajetória escolar, os alunos passam por muitos momentos e por marcadores de tempo bastante evidenciados: trimestres, semestres, período de avaliações, rotina diária, ano letivo etc. No trabalho com “o tempo que passa”, ajudamos os alunos a perceberem os tempos que marcam o mundo e as rotinas de cada um. O tempo do coletivo, o tempo que precisa de regulações.
No entanto, seria muito ruim se o tempo só nos invadisse, sem que houvesse possibilidade de fundição (que desafio dos tempos atuais!). Mas, aqui no Oswald, queremos, também, a passagem do tempo. A passagem que afeta, modifica, cria e recria. O tempo que atravessa. O tempo que preenche.
É nesta perspectiva que olhamos para as séries que marcam significativas passagens escolares, como a transição do 5° para o 6° ano e do 9° ano para a 1ª série do Ensino Médio. Essas transições que acontecem na vida das crianças e adolescentes marcam também transições internas.
Por isso, ao longo de todo um ano letivo, na série que antecede a passagem, entendemos que falar sobre o tempo que passa é, para nós, uma necessidade e um cuidado com cada um dos nossos alunos.
No tempo que passa, precisamos falar sobre aquilo que já nos atravessou e que sustenta o indivíduo que cada um se tornou. É o momento em os convidamos para uma retomada, um processo de relembrar o caminho percorrido.
Também é importante falar do tempo que vem e pensar sobre as dúvidas, os anseios, os desejos e os medos. É preciso criar oportunidade para que a fala e a troca entre os alunos abram espaço para novas elaborações. É preciso falar do futuro breve, para que haja alicerçamento interno.
No tempo que passa, insistente e em fluxo permanente, também é importante parar e pensar sobre todas as mazelas do tempo em nós. O tempo de passagem, em momentos marcantes, também pode ser marcado por rituais, que favorecem os processos de movimentação interna, em que cada um, ao seu tempo, vai se permitir adentrar em mais uma passagem do tempo. Ainda neste processo de ritualização, a presença de pessoas que acompanharam essa trajetória faz do momento uma grande marca em todos os atores envolvidos naquelas histórias. O ritual de passagem, marcador tão importante, faz o tempo passar em todos aqueles que compartilharam uma mesma narrativa.
Há quem diga que esses tempos e essas passagens sejam invenção de Cronos e Kairós. Não sabemos e tampouco esperamos descobrir. O que queremos e desejamos é que, ao conhecer o tempo que passa, nossos estudantes possam se tornar mais donos de si mesmos, mais potentes em suas escolhas, mais sabidos em suas memórias e mais sonhadores em seus planos. Porque, afinal, para tudo isso, é preciso olhar para o presente e para o tempo que me atravessa neste exato instante.
E, sim, respondendo a pergunta motivadora deste texto, o tempo de passagem é que possibilita a abertura, em cada um de nós, da passagem do tempo. Que assim seja, sempre.