Em seu livro “10 histórias para entender um mundo caótico”, você diz que a miséria não é uma fatalidade, que quem morre de fome no mundo, hoje, morre assassinado. O que você quer dizer com isso? Qual a dimensão desse enorme problema?
Ótima pergunta. Porque eu digo que não é uma fatalidade, porque olha só o que aconteceu… A gente fala “Não, mas erradicar a pobreza deve ser muito difícil, deve custar muito dinheiro erradicar a pobreza no mundo”; quer dizer, é claro que é difícil, tanto que a história está aí mostrando que estamos há 2024 anos, pelo menos, só depois de Cristo, lutando contra a pobreza. Sem contar com os milhares de anos anteriores, e ela não consegue ser erradicada. Mas, por que eu digo isso [a miséria não é uma fatalidade]? Porque o mundo tem recursos para erradicar a pobreza. Então, vamos só olhar para o gasto: o mundo gastou, em 2023, 2 trilhões e 500 bilhões de dólares em armas; em português, isso dá mais de 10 trilhões de reais. É muito dinheiro. Mas, será que é o suficiente para erradicar a pobreza? Se não é o suficiente para erradicar toda a pobreza, se a gente usasse um ano dos gastos em armas para erradicar a pobreza, a gente teria chegado muito perto de erradicar a pobreza. E aí os cálculos que são feitos mostram que, por exemplo, no caso de Jeffrey Sachs, que é um economista americano, ele fez um cálculo mostrando que, se no mundo a gente gastasse 140 bilhões de dólares por ano durante 20 anos para erradicar a pobreza, teríamos conseguido isso. 140 bilhões de dólares é claro que é muita grana, todos os anos durante 20 anos, muita grana, sem dúvida nenhuma. Mas só no ano passado o mundo gastou 100 bilhões de dólares só em armas nucleares. Então, calma só, 100 bilhões de dólares mais 40 bilhões, por anos, nós estaríamos livres. Então, não é uma fatalidade a existência e a continuação da pobreza. E, tão pouco é uma fatalidade a produção da desigualdade. Ela é o nosso sistema. O nosso sistema gera essa situação. Então, ela não é uma fatalidade nem em sua origem, nem na solução, que existe. Então, por que eu coloco esse tema? Pois às vezes nós colocamos esses temas como impossíveis. E eu não estou aqui para defender o sistema socialista chinês; inclusive, eu não poderia ser jornalista na China, eu seria preso se eu fosse o jornalista que eu sou lá. Não estou defendendo a China, mas olha o que ela fez: no espaço de 40 anos, eles conseguiram que a atual geração, a garotada de 15 anos, não tenha mais acesso visual ou da vida à pobreza. Olha só que incrível?! Pela primeira vez, na China, há uma geração que desconhece a pobreza. Então, é possível. Tem todos os outros debates e nós podemos fazer isso junto, mas existe, sim, essa possibilidade. Podemos dar aqui outros exemplos, a Noruega, por exemplo quando descobriu o petróleo passou de um país rural, inclusive com condições de pobreza, para um dos países mais ricos do mundo. “Ah, claro, mas descobriu petróleo. Resolveu!” Vai perguntar para outros [países], que descobriram o petróleo se resolveu. Não foi a descoberta de petróleo que resolveu a questão da pobreza na Noruega, foi a distribuição [de riqueza]. Então, não é uma fatalidade a existência da pobreza, é uma estrutura tanto na origem quanto na resposta.